As políticas urbanísticas e de moradias de São Luís, ficam por encargo da Secretaria Municipal de Urbanismo e Habitação (Semurh). Entre as inúmeras atribuições da pasta, está a regularização fundiária, problema grave na capital maranhense. Famílias e famílias ludovicenses moram há décadas em bairros surgidos de ocupações populares. Tratados como invasores, lhe faltam o título de posse de suas propriedades, e ainda qualidade de vida. Nos últimos quatro anos, pouco foi feito para resolver a questão.
Prevista pela lei 11.977 de 2009 (que também criou o programa do governo federal, “Minha Casa, Minha Vida”), a regularização fundiária é o conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais para regularizar assentamentos informais. Também compreende a concessão de títulos aos seus ocupantes.
Em São Luís, antigos e populosos bairros, abrigam moradores sem a posse reconhecida por lei, é o caso da Liberdade, Coroado e Itaqui-Bacanga. Creuzamar de Pinho, coordenadora da União de Moradia do Maranhão, explica que, sem título, não há valor legal. O morador não pode fazer financiamentos para repassar ou participar de programas habitacionais e inviabiliza reformas, (na teoria, para alterações da casa é necessário autorização da prefeitura, emitida pela Semurh, mas só o proprietário legal do imóvel pode retirar o alvará). “Se for do interesse do governo fazer uma obra nesse bairro, as casa são desapropriadas e a indenização paga aos moradores é referente apenas as benfeitorias realizadas, não ao valor do terreno, ou seja, não tem valor habitacional”, ressaltou Creuzimar, sobre mais um dos riscos que corre quem não tem a documentação.
“É uma espécie de capital morto”, definiu a falta de titulação, o defensor público, Alberto Tavares, titular do Núcleo de Moradia da Defensoria Pública do Estado. Ele explica que a idéia de regularização fundiária surge para romper a barreira entre a cidade formal e a informal. Esta segunda é a que se projetou para o solo urbano de maneira espontânea, sem nenhum planejamento. “A lei vem para suprir a necessidade e carência de uma política habitacional”, conta.
Considerando a falta de aplicação de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais necessárias para a regularização fundiária, Alberto Tavares detecta ineficiência na gestão municipal. “Pela definição, podemos dizer que São Luis está longe da regularização fundiária. A prefeitura, até o momento, não tem um programa, nem uma legislação voltada para resolver essa questão, não obstante, esteja no plano diretor, na lei organiza do município”, afirma o defensor.
Ele ressalta que este é um processo complexo e demorado, o governante pode terminar o mandato, sem ter concluído, mas que pode ser resolvido. Antes da criação da lei 11.977, quando o cidadão fixava moradia em uma área particular (através da ocupação), a saída era o usucapião coletivo. A lei trouxe novos instrumentos, como a legitimação da posse, a demarcação urbanística – o gestor público delimita a área ocupada e registra em cartório, este por sua vez notifica o proprietário do terreno, se ele não se manifestar, é dado o processo de legitimação da posse. “É uma espécie de usucapião administrativo, justamente para abreviar o processo”, definiu o Alberto.
A titulação de posse dos terrenos deve ser de iniciativa governamental. O defensor público ressalta que a sociedade civil organizada pode, através de convênios e ações, acessar verbas voltadas para a regularização fundiária. “Mas é algo que pouco acontece. Há barreiras burocráticas que dificultam. Por isso deve ser uma iniciativa do poder público, principalmente municipal”, destacou. Creuzimar lembra que o único prefeito que concedeu títulos de propriedade foi Jackson Lago.
Para o defensor Alberto, falta de vontade politica e uma provável falta de programação orçamentária para as ações, impediram que o gestor municipal de São Luís tenha investido em regularização fundiária (e, por conseguinte, titulação de posse). “Quando se fala em regularização tem que pensar em medidas ambientais e sociais, tem que dotar a localidade de uma estrutura adequada de moradia para aquela população, tem que fazer intervenções na questão sanitária. E isso pressupõem investimentos”, esclareceu Alberto. Creuzimar também acredita que os governantes não priorizam a regularização fundiária porque custa caro “É necessário fazer um levantamento técnico da área, conhecer a cadeia sucessória, os primeiros donos. Isso tudo tem custo”, afirmou a militante.
Para Alberto Tavares, a falta de recurso pode existir, mas não deveria justificar a falta de investimento nas habitações. “Os municípios tem dificuldades com orçamento, mas hoje muitas ações são patrocinadas pelo governo federal. Através do Ministério das Cidades existe uma serie de linhas de crédito que buscam justamente garantir a regularização fundiária”, informou.
O que intriga os moradores de antigas ocupações, é a que não recebem a documentação de posse de seus terrenos, mas recebem, regulamente, a taxa de IPTU . “É incoerente, os benefícios não chegam, a área não é regularizada, mas do ponto de vista fiscal ele é visto”, destacou defensor público.
O papel da defensoria pública
A Defensoria Pública, em outros estado em que há programas e projetos de regularização fundiária, tem atuado em parceria com executivo municipal. Alberto Tavares exemplifica com os casos de Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Pernambuco. “Em São Luís, pela ausência do poder público nessa questão, não temos uma atuação”, explicou.
O município pode usar a Defensoria Pública como uma ferramenta jurídica (em caso usucapião coletivo, a defensoria é acionada, por exemplo). Em São Luis, o órgão tem atuado de maneira pontual. “As pessoas nos procuram para entrar com usucapião de maneira individual. Mas percebemos uma deficiência muito grande. É tomada apenas no sentido de garantir o título, não na amplitude do que nos pensamos que deva ser a regularização fundiária”, relatou Alberto.
Mas paga IPTU “é incoerente, os benefícios não chegam, a área não é regularizada, mas do ponto de vista fiscal ele é visto”.
Em defesa das famílias
A advogada Helena Heluy, ex-vereadora e ex-deputada estadual, integra, desde sua fundação, a Comissão Arquidiocesana Justiça e Paz. Enquanto política e militante de organizações sociais, acompanhou importantes ocupações que ocorreram em São Luís. A áreas, que nasceram em processos dolorosos e violentos, abrigam famílias, que hoje, brigam pela a posse definitiva de seus terrenos.
A advogada destaca a distinção de invasões e ocupações. “Invasão é crime, a pessoa tem consciência que aquilo é de alguém e, dolosamente, toma para si. Ocupação é exercício de direito a moradia, a um espaço onde possa viver com dignidade. Ocupação é de área ociosa. E é legitima, a medida que o poder público não enfrenta essas realidade a falta de terra, o cidadão, com sua sabedoria, procura. É o direito achado na rua”, explicou Helena
Ela lembra que, com o anuncio das chegas dos grandes projetos para o Maranhão, vieram pessoas de todos os cantos. “Foi o grande êxodo rural. Vieram a procura de outros espaços e possibilidades de vida. E ao chegar, remexeu uma realidade profunda, mais ou menos tranqüila, de mais de três séculos, daí começam a surgir as ocupações”, resgatou.
Helena conta que, em lugar de ser encaradas como uma questão social, as ocupações foram tratadas como questão de polícia. “Como se o ocupante fosse um bandido da pior espécie”, disse. Ela também defende que o poder público deveria estar presente, desde o início, para orientar, encaminhar e planejar.
“Naquele momento o estado se portou como repressor, através da polícia e muitas das vezes, fazendo vistas grossas para segurança privada, os chamados pistoleiros e jagunços”, contou Helena.
Para a advogada, em meio as lutas, a pressão popular tem saído vitoriosa. Deu destaque para a participação das mulheres. “Os maridos saiam para o trabalho, mas o enfrentamento com a polícia e com repressão era feito pelas mulheres”, ressalta.
No início da década de 80, entre os conflitos, surge a Comissão de Justiça e Paz, da Arquidiocese de São Luis, um braço da igreja, que ajudou despertar a consciência entre moradores e fortaleceu as lutas populares pela terra.
Fonte: jornalista Mariana Salgado, do jornal O Imparcial
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