Jean Carlos Nunes Pereira*
No Brasil por mais de quatro séculos (Colônia e Império), a concepção não apenas de direitos, mas de humanidade restou reservada à pequena parcela da população brasileira. O advento tardio da República e do reconhecimento de humanidade para o grosso do seu contingente populacional impunham ao Estado brasileiro compromissos históricos com o resgate de grupos vulneráveis, bem como com a promoção ampla de direitos antes restritos à meia dúzia de privilegiados. Daí, em grande medida, as dificuldades aqui encontradas para efetivação de direitos e, sem sombra de dúvidas, o ponto de partida para resolução de conflitos à luz do ordenamento instaurado pós 1988.
Não resta dúvidas de que um dos maiores débitos da sociedade brasileira no resgate desses grupos consiste exatamente em promover uma maior justiça social na distribuição das terras em nosso país. É bem verdade que esta tarefa compete precipuamente ao executivo federal. Entretanto, a todos, inclusive ao Sistema de Justiça (MP, Judiciários, OAB, Defensoria, Procuradorias etc.), incumbe a missão constitucional de velar pela afirmação dos direitos humanos e pela humanização das lides pela terra.
Nesse sentido, a natureza complexa e multifacetária do conflito reclama a especialização do Sistema de Justiça de modo a buscar soluções mais consentâneas com efetividade dos postulados constitucionais, sobretudo os atinentes à erradicação da pobreza e da marginalização redução das desigualdades sociais e regionais, entre outros (art. 3º da CF).
É que a atividade, às vezes desumana, de uma vara cível, com seus muitos milhares de processos, se não impede, pelo menos dificulta que o Sistema de Justiça busque especializar-se e se dedicar à humanização deste tipo de conflito cuja solução não poderá (nunca pôde) ser efetivada pela estrita via civilista, que parte do pressuposto, geralmente falacioso, de que as partes litigantes estão em patamar de igualdade.
Por outro lado, onde a Justiça Agrária já foi instalada, a experiência tem apontado para a humanização do conflito, para soluções mais equitativas, a exemplo que já vem ocorrendo nos estados do Pará e do Alagoas.
Não por outra razão foi que o Constituinte, no art. 126, com redação dada pela Emenda Constitucional de nº 45/2004, estabeleceu que os Tribunais de Justiças estaduais, para dirimir conflitos fundiários, proporão a criação de varas especializadas, com competência exclusiva para questões agrárias.
A matriz constitucional que informa a criação dessa justiça especializada é a mesma que fundamenta a criação das varas trabalhistas, do consumidor, da infância e da juventude, do juizado especial da violência doméstica e familiar contra a mulher, do idoso etc. A diferença, injustificável, diga-se de passagem, reside no fato de que em relação a estas, como maior ou menor efetividade, o Estado brasileiro tratou de se desincumbir; em relação à primeira, tem-se buscado insistentemente negar efetividade ao ditame constitucional.
O Programa Nacional de Direitos Humanos, por sua vez, em seu Objetivo Estratégico VI, intitulado “Acesso à Justiça no campo e na cidade, estabelece como uma de suas ações programáticas “Propor projeto de lei para institucionalizar a utilização da mediação nas demandas de conflitos coletivos agrários e urbanos, priorizando a oitiva do INCRA, institutos de terras estaduais, Ministério Público e outros órgãos públicos especializados, sem prejuízo de outros meios institucionais para solução de conflitos (Redação dada pelo Decreto nº 7.177, de 12.05.2010).
Em nosso Estado, reconhecidamente um dos que apresentam os maiores índices de conflitos fundiários do país, a Constituição Estadual (art. 89) reproduz o aludido dispositivo da Constituição Federal. A Lei Complementar Estadual nº 14/1991, por sua vez, em seu art. 8º, com redação dada pela Lei Complementar de nº 18/1993 estabelece formalmente a criação da Vara Especializada em Conflitos Fundiários.
Apesar dos pujantes dispositivos colacionados e do acirramento dos conflitos, hoje, na iminência de completar 23 anos de vigência, a Carta Magna ainda reclama efetividade e os milhares de cidadãos brasileiros que se encontram em disputa pela terra aguardam desalentados pela criação de uma Justiça que melhor lhe compreenda os anseios e resguardem seus direitos historicamente negados.
O que se espera, no ano em que o Egrégio Conselho Nacional de Justiça realiza o III Fórum Nacional para Monitoramento e Resolução dos Conflitos Fundiários Rurais e Urbanos no Estado do Maranhão (previsto para novembro de 2011), é um maior empenho dos judiciários nacional e local para implantação da vara especializada, como, aliás, verificou-se com outras varas, como a dos juizados especiais da fazenda pública, a serem instaladas em menos de dois anos da vigência da Lei de nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009 que os criou (Provimento nº 07 do CNJ).
Esta semana foi protocolada no Conselho Estadual de Direitos Humanos mais uma “denúncia” de ameaça de morte a militante da CPT e a advogado membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB. Até quando teremos que esperar?
*Defensor público do Estado do Maranhão
Publicado no suplemento Direito e Justiça de O Imparcial.
Há 100 dias
Há 100 dias
Há 100 dias
Há 100 dias
Qual o seu nível de satisfação com essa página?