Entrevista com o defensor geral Aldy Mello Filho: Missão difícil

15/08/2011 #Administração
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Criação de mais municípios complica ainda mais o acesso do cidadão a seus direitos


A população maranhense pode ter o acesso à Justiça comprometido caso seja aprovada a proposta de criação de novos municípios. O Maranhão, assim como a maioria dos estados brasileiros, encontra dificuldades para garantir o exercício de direitos a cidadãos que não têm condições de pagar um advogado. Segundo o defensor geral do Estado, Aldy Mello de Araújo Filho, o Maranhão, estado com o segundo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país, precisa enfrentar esse problema de maneira urgente, sobretudo no momento em que a Assembleia Legislativa volta a discutir a possibilidade de emancipação de 106 povoados. Em entrevista a O Imparcial, o defensor geral Aldy Mello Filho alerta para o desequilíbrio verificado no tripé da Justiça, considerada a desproporção numérica entre defensores, promotores e juízes. Aldy Mello Filho alerta, ainda, para a grave questão do sistema carcerário, que pode ter sua crise intensificada com a redução do atendimento da DPE nas unidades prisionais, já que parte dos defensores, que hoje se encontram nos presídios, irão atuar nos núcleos da defensoria que estão sendo instalados no interior do estado.

 

1 – Como o senhor avalia a qualidade do acesso à Justiça pelos cidadãos maranhenses?

Aldy Mello Filho – Para aqueles que possuem recursos para contratar grandes bancas de advocacia privada, a justiça chegará mais rápido. O problema é que no Maranhão, segundo dados do IBGE/PNAD 2008, 57,72% da população recebe até 3 salários mínimos, faixa de renda dos usuários dos serviços da Defensoria. Considerando-se esse percentual, podemos afirmar que mais da metade da população do estado já precisou, está precisando ou precisará dos serviços da Defensoria Pública. E para dar conta deste elevado número de possíveis assistidos, contamos com apenas 81 defensores públicos. Temos 1 defensor para cada grupo de 104 mil habitantes. O pequeno número de defensores públicos vem representando, ao longo dos anos, um gravíssimo obstáculo ao acesso à Justiça no nosso Estado.

2 – Então a situação pode piorar com a criação de novos municípios, já que haverá a necessidade de mais juízes, de mais promotores e de mais defensores?

Aldy Mello Filho - Há um atraso histórico na implementação da Defensoria Pública no estado do Maranhão, que só se agrava com o aumento do número de comarcas e a previsão de aumento do número de municípios. Para se ter uma ideia, a nossa lei é de 1994. Ela previu a criação de 85 cargos. O primeiro concurso público ocorreu somente no ano de 2000. E hoje, passados 17 anos da criação dos primeiros cargos, a instituição conta com apenas 81 membros. O mais grave é que segundo o III Diagnóstico das Defensorias Públicas no Brasil, lançado em 2009, pelo Ministério da Justiça, pouco mais de 2% das comarcas do estado possuem defensores. A baixa cobertura territorial dos serviços da Defensoria tem colocado a Justiça do lado de fora da vida das pessoas. E sem acesso à Justiça, não se tem como garantir ao cidadão o exercício de direitos básicos como o direito à saúde e à moradia, por exemplo.

3 – Qual o número de atendimentos realizados pela Defensoria Pública nos últimos anos?         

Aldy Mello Filho - Mesmo com todas as nossas dificuldades, temos feito um grande esforço para conseguir atender quem nos procura. Segundo o próprio Ministério da Justiça, a Defensoria do Maranhão ocupa a 12ª posição em número de atendimentos no país. Realizamos em 2009, 98 mil atendimentos; em 2010, fechamos com quase 110 mil. Apesar disso, temos consciência de que há muito mais pessoas necessitando de assistência da Defensoria. As filas diminuíram, passamos a atender 24 horas, estamos instalando sete novos núcleos regionais nos municípios de Codó, Carolina, Itapecuru, Pinheiro, Rosário, Raposa, Pedreiras, mas apesar de tudo, o Maranhão continua sendo o estado com o menor número de comarcas assistidas pela Defensoria Pública do país. Não acompanhamos o crescimento do Judiciário e do Ministério Público. O número de juízes e promotores no estado é três vezes maior do que o número de defensores. O problema é que ninguém pode ser processado sem que seja oportunizado o seu direito de defesa. Sem defensor, não há processo. Sem defesa não há como se fazer justiça.

4 – Qual é a área de atuação da Defensoria que mais tem enfrentado dificuldades com a falta de defensores?

Aldy Mello Filho - O problema atinge todas as áreas. Por exemplo, enquanto o Ministério Público possui uma promotoria especializada do idoso, uma da pessoa com deficiência e uma da saúde, uma só defensora pública responde pelas três áreas. Mas, sem dúvida, uma das atuações mais prejudicadas é a criminal. A ausência de defensores em varas criminais tem dificultado a tramitação dos processos. A situação é mais grave no interior do estado. Por conta do volume elevado de demandas, recebo dezenas de solicitações diárias de juízes, promotores, parlamentares, representações da sociedade civil organizada requerendo a designação de defensores para atuar em suas comarcas. Se dependesse da defensoria geral, todos os pleitos seriam atendidos. São todos legítimos. Há a necessidade da presença da defensoria de norte a sul do estado.

5 – As ações da Defensoria Pública dentro das unidades prisionais têm sido fundamentais no enfrentamento da crise no sistema carcerário. Esse trabalho vai continuar?

Aldy Mello Filho – A atuação da DPE na execução penal é expressiva. Para se ter uma ideia, a Defensoria formulou de fevereiro até julho, segundo dados da Secretaria de Justiça e Administração Penitenciária (Sejap), 2.269 pedidos de concessão de benefícios (ver gráfico). No entanto, esse atendimento nos presídios pode ficar seriamente comprometido. O problema é que o cobertor é curto. Se por um lado, a atuação da DPE nos presídios, apesar das dificuldades, tem sido fundamental para evitar novas rebeliões, por outro, não há como deixar a Defensoria restrita à capital. A instituição é estadual, e é no interior que a população mais necessita de nós. Com isso, conforme o planejamento estratégico da instituição para 2011, a força de trabalho que está concentrada nas unidades prisionais será deslocada para o interior do estado. Hoje há um número considerável de defensores públicos atuando dentro dos presídios, mas essa situação sempre foi provisória, considerando que esses defensores foram nomeados para atuar no interior do estado. Com a conclusão das obras, os núcleos regionais serão inaugurados até o final do ano. O que se percebe é que com uma procura cada vez mais crescente, não há como a Defensoria responder a todas as demandas sem o aumento do seu quadro. A situação do sistema prisional no Estado é grave e a solução não acontecerá a curto prazo. Agora, sem a presença da Defensoria, a situação poderá tomar dimensões incalculáveis. E é preciso que a sociedade e os demais órgãos públicos sejam alertados do problema. Precisamos manter um bom número de defensores em permanente atuação no sistema penitenciário. Para isso não há mágica. A solução é a nomeação de novos defensores.

 

6 – Quantos atendimentos foram realizados nos últimos seis meses nas unidades prisionais da capital?

Aldy Mello Filho – Além da atuação regular, a Defensoria disponibilizou um número expressivo de defensores, empossados em janeiro, para atuação nas unidades prisionais de São Luís. Em seis meses de atividades, o resultado é bastante positivo, com 1.469 atendimentos. No Presídio São Luís realizamos 393 atendimentos, na Casa de Detenção (Cadet I) foram mais 607 e no Presídio Feminino, 144. Os defensores públicos estão agora na Cadet II, onde foram atendidos mais 144 internos e também na Central de Custódia de Presos de Justiça (CCPJ de Pedrinhas), cujo atendimento contabiliza 181 detentos.

 

7 – Como o senhor avalia o discurso de considerável parcela da população de que só existem “direitos humanos para bandido” e qual o papel do defensor nos processos criminais?

Aldy Mello Filho – Trata-se de uma falsa premissa. A humanização do sistema penal serve a toda a sociedade, porque como o estado brasileiro não admite pena de morte nem prisão perpétua, após cumprir a sua pena, o indivíduo volta ao convívio social. Se ele não for preparado adequadamente para o retorno à vida em sociedade, ele irá reincidir no mundo do crime, e aí quem perde é toda a sociedade. A atuação da Defensoria na área criminal precisa ser desmistificada. O defensor não busca a absolvição a todo custo. O papel dele é garantir o exercício da defesa de modo que, ao final do julgamento, tenha sido aplicada uma sanção proporcional à gravidade do delito cometido e que ele cumpra sua pena em condição minimamente digna. O que a Defensoria garante é a mesma condição técnica de defesa daquele acusado que tem condições financeiras de contratar um bom advogado, nem mais nem menos.

 

8 – O que precisa ser feito para aumentar o quadro de defensores e ampliar o atendimento da Defensoria no Estado?

Aldy Mello Filho - Primeiramente, precisamos contar com a sensibilidade dos parlamentares maranhenses e do poder executivo estadual para levar a Defensoria para o interior do estado. Hoje, quem não mora na capital, e nos interiores onde há núcleo da Defensoria instalado, se não tiver condição de pagar um advogado, não tem acesso aos seus direitos. Caso assim permaneça, a Justiça do Maranhão continuará sendo elitista e excludente.

 

9 – Então não há previsão de realização de concurso público para a carreira da Defensoria Pública do Estado?   

Aldy Mello Filho - Vamos realizar um concurso público esse ano, mas será para cadastro de reserva, já que ainda não temos cargos de defensor criados, nem a definição orçamentária para o ano de 2012. Para que sejam providos novos cargos no ano que vem, precisamos do apoio dos Poderes Executivo e Legislativo do Estado.   

 

 

Fonte: Jornal O Imparcial

 

 

 

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